F.Or.M. (12/4/24) - Que tipo de retaliação o Irã prepara para Israel?
Enquanto a geopolítica volta a dominar o noticiário, Israel continua a usar a fome como arma contra os palestinos
Diplomacia tenta evitar uma guerra regional
Enquanto você lê este texto, o governo e a sociedade israelenses aguardam por um ataque do Irã, o que seria uma retaliação ao assassinato de integrantes de alto escalão da Guarda Revolucionária, realizado na semana passada, em Damasco.
O alvo do bombardeio israelense foi um prédio consular iraniano, localizado dentro do complexo diplomático de Teerã na capital síria. A interpretação do regime iraniano é de que se tratou, portanto, de um ataque a um território soberano do Irã, o que exigiria uma resposta na mesma medida.
Talvez os próximos dias provem o contrário, mas me parece bastante difícil que o regime iraniano ataque o território de Israel de forma direta. Um movimento como esse ensejaria uma guerra regional, de desfecho incerto, mas certamente perigoso para a liderança do Irã. A explosão de um conflito ainda maior serviria, também, aos interesses do atual governo israelense.
A tendência, assim, parece ser o Irã utilizar a situação atual de duas formas. Em primeiro lugar, é possível que o regime realize um ação intermediária – atacando Israel, mas fora de seu território.
Na quinta-feira 11, reportagem do site Amwaj.Media indicou que as Colinas de Golã, um território sírio que Israel ocupa ilegalmente desde 1967, poderiam ser este alvo. Faz sentido. A retaliação aplacaria os setores mais radicais do regime iraniano, que exigem uma resposta, mas deixaria aberta uma porta para que a liderança israelense não se engajasse num conflito aberto – um ataque direto, ao contrário, muito provavelmente colocaria os dois países neste caminho.
Ao mesmo tempo, o regime iraniano deve tentar demonstrar força política diante dos EUA no cenário regional.
Como relatou a própria mídia estatal iraniana, o ministro do Exterior, Hossein Amirabdollahian, está em contato com diversos de seus homólogos ocidentais. Em sua newsletter aqui no Substack, a jornalista Laura Rozen fez, também na quinta-feira 11, um apanhado dos apelos dos EUA a seus aliados, no Ocidente e no mundo árabe, para que peçam parcimônia ao regime iraniano.
Como ela nota, nem Washington nem Teerã negaram que haja contato direto entre as partes no momento atual. Se isso estiver ocorrendo, trata-se de um cenário positivo para o regime iraniano, que retratará este episódio como uma reafirmação de sua legitimidade internacional e de sua capacidade de, apesar da evidente inferioridade militar, intimidar tanto Israel quanto os EUA.
No jogo tétrico da geopolítica, o ataque israelense deu ao regime do Irã a iniciativa e uma carta na manga para reagir após ter sido agredido. Resta ver como esses “bens” serão utilizados pela liderança em Teerã.
A guerra na Faixa de Gaza
Após o ataque contra a ONG World Central Kitchen, os EUA elevaram em alguns graus sua pressão contra Israel para que o país pare de utilizar a fome como arma de guerra contra a sociedade palestina. Alguns movimentos foram feitos, como um anúncio de que mais entradas para a Faixa de Gaza seriam abertas, mas, concretamente, pouco mudou, como mostrou o New York Times na quarta-feira 10.
O que também não mudou foi a prática israelense de atacar organizações humanitárias. Na terça-feira 9, um comboio do Unicef foi alvejado por tiros enquanto aguardava para entrar na região norte da Faixa de Gaza. A falta de segurança para os trabalhadores humanitários é um dos fatores que está ajudando a deixar a população da Faixa de Gaza à beira da inanição.
Na quinta-feira 11, o jornal britânico Telegraph informou que o coronel Nochi Mandel, um dos militares afastados pelas forças armadas de Israel por conta do ataque contra a WCK, assinou em janeiro uma carta aberta na qual pedia ao gabinete de guerra de Israel que “faça tudo ao seu alcance” para não permitir “abastecimentos humanitários e o funcionamento de hospitais dentro da Cidade de Gaza.”
Ainda segundo o Telegraph, Mandel é um sionista religioso, adepto, portanto, de uma ideologia expansionista radical, e mora em um assentamento ilegal na Cisjordânia, território palestino ocupado por Israel desde 1967.
Como alertei em Tarkiz ainda em dezembro, o plano do governo israelense é, desde o início da ofensiva, inviabilizar a vida na Faixa de Gaza. Reportagem publicada pelo Wall Street Journal na quarta-feira 10 revela exatamente isso. Os jornalistas ouviram pessoas que voltaram a Khan Younis após a retirada das tropas israelenses. Esses são dois depoimentos:
“Não há nada lá, está tudo destruído. É como se um meteoro tivesse caído”, disse Abu Amro, de 43 anos, após ver os escombros de sua casa.
“Khan Younis não é mais um lugar para se viver”, disse Thaer Majayda, 30 anos. “Perdi minha casa, minha loja, meu sustento, tudo. Não sei o que faremos quando a guerra terminar.”
Na +972 Magazine, Menachen Klein, professor de Ciência Política na Universidade Bar-Ilan, argumenta que Netanyahu não é a única figura do establishment israelense que deseja o prolongamento da guerra e se beneficia deste cenário. Isso ajuda a explicar a postura do país nos últimos seis meses.
A Reuters traz uma breve reportagem, reveladora sobre a destruição das comunidades cristãs da Faixa de Gaza. Em meio ao caos, cristãos estão enterrando seu mortos em cemitérios muçulmanos.
Fontes do regime do Catar disseram a um jornalista do Jerusalem Post que tanto o financiamento do governo do Hamas realizado por Doha quanto o recebimento de lideranças do grupo no país foram realizados após pedidos expressos dos governos de Israel e dos Estados Unidos. A afirmação vai ao encontro do que informou o Times of Israel em março, quando o jornal revelou documento no qual o então chefe do Mossad agradecia ao emir do Catar pelo “apoio fundamental” na melhoria da “situação humanitária na Faixa de Gaza”.
Para além da questão Israel-Palestina
Arábia Saudita
Segundo a Bloomberg, o governo saudita reduziu de 1,5 milhão para 300 mil o número de moradores que planeja ter em 2030 na The Line, cidade que está sendo construída no noroeste do país. A cidade é um dos elementos centrais da região conhecida como Neom, carro-chefe do projeto Visão 2030, que busca diversificar e ampliar a economia do país.
Líbano
O assassinato de Pascal Sleiman, integrante do partido cristão Forças Libanesas, no domingo 7, acirrou ainda mais o cenário político libanês. Como mostra o L’Orient Today, a investigação oficial sustenta que Sleiman foi vítima de um crime comum, mas integrantes do partido falam em crime político e acusam o Hezbollah e o regime sírio (o corpo foi encontrado na Síria, na região de Homs, onde o movimento xiita tem muita influência).
O mesmo jornal mostra que, imediatamente após o caso ser noticiado, autoridades e civis reforçaram sua campanha de repressão contra a comunidade síria no Líbano. Há entre 1,5 milhão e 2 milhões de sírios refugiados no Líbano, comumente tratados como bodes expiatórios para os vários problemas do país.
Marrocos
Na terça-feira 9, uma corte marroquina condenou a cinco anos de prisão um homem que escreveu um post no Facebook criticando a normalização firmada em 2020 entre o governo local e Israel. Como conta a Associated Press, a condenação se dá em meio a grandes manifestações que pediram o rompimento de relações com Israel por conta da guerra na Faixa de Gaza. O homem condenado é integrante do movimento islamista Al Adl Wal Ihsane, uma das principais instituições que organizam os atos contra Israel.
Sudão
Reportagem da Reuters mostra que os drones produzidos pelo Irã estão virando o jogo na guerra civil do Sudão em favor do governo central. Essas aeronaves são as mesmas que estão sendo exportadas para a Rússia.
Síria
Em entrevista ao Al-Monitor, Mazloum Kobane, líder das Forças Democráticas Sírias (conhecidas pelo acrônimo em inglês SDF), afirmou que a determinação da coalizão que combate o Estado Islâmico vem diminuindo e que a carnificina na Faixa de Gaza impulsionou ainda mais o grupo. Força majoritariamente curda, as SDF são a única barreira contra o “ressurgimento” do Estado Islâmico. Além de serem responsáveis pelas prisões onde estão milhares de combatentes, cuidam também dos campos onde estão instalados muitos apoiadores.
Na BBC, a correspondente síria Lina Sinjab relata seu retorno a Damasco após anos. Ela encontrou um país dilacerado pela guerra e uma sociedade indignada com as ocupações estrangeiras, mas ainda sim vibrante.