No Sudão, uma guerra esquecida
Conflito iniciado em abril devastou a capital Khartoum e já provocou o deslocamento de mais de 7 milhões de pessoas
Com os olhos da imprensa internacional focados na Faixa de Gaza, outros conflitos continuam se agravando sem que a opinião pública receba informações. Um desses casos é o do Sudão, onde dois comandantes militares lideram seus grupos armados em uma guerra que já deixou pelo menos 6 mil mortos e deslocou 7,1 milhões de pessoas.
Os responsáveis pelo caos no país são Abdel Fattah al-Burhan e Mohammad Hamdan Dagalo. O primeiro comanda as Forças Armadas Sudanesas (SAF na sigla em inglês), que são as tropas regulares do país, enquanto o segundo lidera as Forças de Suporte Rápidas (RSF), um grupo paramilitar.
Juntos, Burhan e Dagalo conduziram o golpe de Estado de outubro de 2021 que encerrou de forma abrupta o período de transição pelo qual passava o Sudão. A transição era derivada da derrubada do ditador Omar al-Bashir, em 2019, e deveria culminar no estabelecimento de um sistema democrático.
Em abril de 2023, a disputa de poder pós-golpe entre Burhan e Dagalo se tornou uma guerra aberta. O conflito devastou a capital, Khartoum, e desde então vem se espalhando para outras cidades do país. Entre os 6 mil mortos, há pelo menos 2 mil civis. Este quadro da Al-Jazeera, que foi ao ar em julho, mostra o cenário.
Além da destruição nas cidades, a guerra provocou o que Martha Ama Akyaa Pobee chamou de “convergência entre um agravamento da calamidade humanitária e uma catastrófica crise de direitos humanos.” Pobee, de Gana, é a secretária-geral assistente da ONU para a África, e fez recentemente um resumo sobre o conflito.
A calamidade humanitária à qual ela se refere é o deslocamento de mais de 7 milhões de pessoas desde o início da guerra. A maior parte desse contingente é de deslocados internos, ou seja, estão dentro do país, mas pelo menos 1,2 milhão rumaram para fora do Sudão. Trata-se de um cenário com potencial de criar ou agravar problemas sociopolíticos no continente africano.
A crise de direitos humanos a que Pobee se refere é a retomada da violência na região de Darfur, no Oeste do Sudão. Este conflito esteve nas manchetes há cerca de 20 anos e fez o ex-ditador Omar al-Bashir ser processado no Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra e crimes contra a humanidade.
Na ocasião, Bashir usou paramilitares para reprimir um levante de grupos não-árabes de Darfur contra seu governo. A missão foi realizada por meio de transferências forçadas, pilhagem, tortura, estupros e ataques deliberados contra civis levados a cabo pelos Janjaweed, a milícia arregimentada pelo então ditador.
Um dos líderes desta campanha era Mohammad Hamdan Dagalo. Em 2013, os Janjaweed foram acoplados às forças regulares do Sudão sob o nome de Forças de Suporte Rápidas (RSF) e Dagalo se tornou seu líder.
Agora, em meio à guerra contra o grupo de Abdel Fattah al-Burhan, o conflito em Darfur voltou a se inflamar. Milícias não-árabes aderiram às Forças Armadas Sudanesas, enquanto as RSF retomou sua campanha de contornos genocidas contra esses povos.
Entre maio e junho, centenas de pessoas da etnia Masalit foram mortas e enterradas em valas comuns na província de Darfur Ocidental. No início de novembro, episódio semelhante foi registrado, após as RSF assumirem o controle de uma base do Exército na cidade de El Geneina. Integrantes da milícia aterrorizaram a região, executando ao menos 66 homens Masalit e cometendo inúmeros crimes sexuais.
A Arábia Saudita e o Estados Unidos lideram os esforços diplomáticos para tentar um cessar-fogo na região, mas até agora eles não surtiram efeito.
A ONU e as ONGs que atuam no Sudão estimam em US$ 2,6 bilhões o valor necessário para prestar auxílio a 18 milhões de pessoas que precisam de ajuda humanitária, mas até 12 de novembro apenas US$ 867 milhões (34% deste valor) foram arrecadados.
Nos primeiros noves meses da ofensiva contra a Ucrânia, estima-se que a Rússia gastou US$ 82 bilhões. Durante o mandato de Joe Biden, os EUA transferiram US$ 45 bilhões para Kiev. A devastação da Faixa de Gaza pode ser um investimento de US$ 50 bilhões para o governo de Israel. E Elon Musk pagou US$ 44 bilhões para comprar o Twitter e poder destruí-lo por dentro.
Não falta dinheiro para ajudar o povo sudanês, mas vontade política.