A condenação de Israel por genocídio ficou mais perto
O texto da nova decisão da Corte Internacional de Justiça e as opiniões separadas dos juízes indicam que a piora do quadro na Faixa de Gaza é atribuída ao governo israelense
Na quinta-feira 28, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu uma nova ordem no caso em que a África do Sul acusa Israel de genocídio contra a população palestina da Faixa de Gaza. Tanto o documento quanto as opiniões separadas dos juízes da corte dão a entender que a possibilidade de Israel ser condenado por genocídio quando o julgamento de mérito ocorrer é significativa. Não há prazo para o mérito da questão ser examinado.
O primeiro aspecto importante da ordem é o fato de ela ter sido emitida. A ação geradora foi um novo pedido da África do Sul, apresentado no início de março, mas a CIJ só poderia ordenar novas medidas cautelares caso avaliasse que as condições mudaram muito desde 26 de janeiro, quando anunciou sua primeira decisão no caso. E foi isso o que ela fez.
O que chama atenção é a justificativa. Na nova ordem, a CIJ reconhece que a situação dos palestinos se deteriorou “em particular devido à privação prolongada e generalizada de alimentos e de outras necessidades básicas” a que foram submetidos. A corte também reconhece que uma crise catastrófica de fome já está instalada, inclusive gerando mortes de dezenas crianças.
Este quadro, deliberou o tribunal, é “excepcionalmente grave” e consiste uma mudança significativa. Isso é importante porque o tribunal reconhece a situação desesperadora que agências da ONU, organizações humanitárias e, cada vez mais, lideranças políticas têm denunciado nas últimas semanas.
O segundo aspecto importante é a conclusão à qual os juízes chegaram diante deste diagnóstico. Segundo eles, o quadro “implica um risco adicional de prejuízo irreparável aos direitos plausíveis reivindicados pela África do Sul”. Mas o que é reivindicado pela África do Sul? É, segundo a própria CIJ, o “direito dos palestinos em Gaza de serem protegidos de atos de genocídio.”
Em outras palavras, o que a nova decisão da corte deixa evidente é que a privação de suprimentos básicos à qual a população da Faixa de Gaza é submetida pode vir a ser um elemento probatório no caso de genocídio. Vale destacar que, para este crime ser configurado, é preciso que o tribunal considere que houve a intenção de cometê-lo.
Como, em minha avaliação, e de muitos analistas, o governo de Israel – pela manutenção da guerra e pelo bloqueio que mantém à Faixa de Gaza – é o responsável por essa privação, a indicação é de que as possibilidades de Israel se defender da acusação de genocídio ficaram diminuídas.
Com base nesta deliberação, a CIJ atualizou três medidas que já tinha anunciado em janeiro. E determinou:
Que Israel “garanta, sem demora” a “prestação desimpedida e em grande escala” de “serviços básicos e assistência humanitária urgentemente necessários”, inclusive abrindo novos pontos de entrada para a Faixa de Gaza;
Que Israel “garanta, com efeito imediato, que os seus militares não cometam” atos de genocídio contra os palestinos;
Que Israel envie um novo relatório ao tribunal indicando quais medidas tomou.
A primeira foi aprovada por unanimidade (16 votos a 0) e as outras duas receberam 15 votos favoráveis – o único contrário foi Aharon Barak, juiz israelense nomeado apenas para este caso. Ele alega que Israel enfrenta uma guerra existencial e, portanto, essas medidas seriam injustificadas.
Chama atenção no texto das medidas o fato de que a corte usou o verbo “garantir” (to ensure, em inglês) no lugar do verbo “permitir” (to enable, em inglês), utilizado nas medidas cautelares de janeiro. Isso indica uma nova ênfase por parte da CIJ na responsabilização de Israel a respeito do quadro na Faixa de Gaza.
O terceiro e último aspecto relevante são os diagnósticos feitos pelos integrantes da CIJ nas opiniões em separado divulgadas após a deliberação.
Sete juízes disseram que as operações militares e as restrições de ajuda por parte de Israel ameaçam a própria existência dos palestinos de Gaza, e que a única forma de proteger o seu direito de existir como um grupo é a suspensão das operações militares.
O juiz brasileiro Leonardo Brant, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, escreveu uma opinião em separado em conjunto com os juízes Xue Hanqin (China), Juan Manuel Gómez Robledo (México) e Dire Tladi (África do Sul). No primeiro parágrafo, eles dizem “lamentar profundamente que esta medida não ordene direta e explicitamente a Israel que suspenda a sua operação militar.”
A britânica Hilary Charlesworth afirmou que o fim das hostilidades “é a única maneira” de proteger os direitos palestinos.
O presidente da corte, Nawaf Salam (Líbano), e o juiz Abdulqawi Ahmed Yusuf (Somália) foram ainda mais incisivos. Salam afirmou que estamos “perante uma situação em que as condições de existência dos palestinos em Gaza são tais que provocam a destruição parcial ou total desse grupo.”
Yusuf, por sua vez, escreveu que “o alarme já foi dado pelo tribunal. Todos os indicadores de atividades genocidas estão piscando em vermelho em Gaza.”
Para além dos sete, há outros dois pontos interessantes. A juíza Julia Sebutinde, de Uganda, que havia votado contra todas as medidas cautelares em janeiro, votou agora a favor do novo texto, um possível indicativo de que pode ter mudado de posição.
O juiz alemão Georg Nolte, por sua vez, indicou em seu comentário que Israel violou a ordem anterior da CIJ, o que pode ser usado contra o país no julgamento de mérito. Além disso, escreveu que a situação na Faixa de Gaza “reflete um risco plausível de violação dos direitos relevantes sob a Convenção do Genocídio.”
A afirmação de Nolte é relevante pois, na opinião em separado de janeiro, ele havia escrito que “não estava convencido” pela acusação sul-africana de que a operação militar israelense tinha “intenções genocidas”. Aparentemente, o quadro de fome engendrado por Israel modificou sua posição.