19/4/24 - Israel ataca o Irã; em Gaza, número de crianças mortas passa de 14 mil
O governo israelense tenta restabelecer sua capacidade de dissuasão enquanto continua a campanha contra os territórios palestinos
O irresponsável jogo geopolítico entre as lideranças de Israel e Irã teve mais um capítulo nesta sexta-feira 19. Durante a madrugada, Israel atacou o território iraniano diretamente, com o que seria – segundo o que disseram fontes anônimas aos canais norte-americanos CBS e NBC – um míssil.
O alvo do ataque não está claro, mas o fato de ter ocorrido na província de Isfahan, no centro do Irã, causou preocupação imediata, uma vez que nas cercanias da cidade de Natanz está localizada uma importante usina de enriquecimento de urânio. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica informou à Sky News, nenhuma instalação nuclear sofreu danos.
A extensão do ataque também não está clara. Explosões foram ouvidas e vistas na cidade de Isfahan, segundo relatou o jornal Shargh, mas defesas aéreas foram ativadas, de acordo com o jornal Setareh Sobh, até mesmo em Tabriz, no norte do país. Às agências estatais Irna e Isna, altos oficiais iranianos disseram que pequenos objetos não identificados foram abatidos em Isfahan.
Em Israel, dois ultrarradicais – o ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir, e a deputada Tally Gotliv, do Likud, partido de Benjamin Netanyahu – fizeram declarações que aparentemente confirmaram Israel como origem do ataque. Essas manifestações fogem ao tétrico script da “guerra nas sombras” levada a cabo por Israel e Irã.
Como de costume, a liderança israelense se manteve em silêncio sobre suas ações militares, uma tentativa de manter viva a “negação plausível” a respeito do ataque. É uma estratégia que busca enviar recados aos adversários sem fazer alarde, permitindo a ambos os lados reduzirem as tensões.
O ataque iraniano do sábado 13 rasgou essa fantasia – em uma tentativa de estabelecer uma nova regra para a relação entre os países (leia mais abaixo) – mas a reação moderada da liderança iraniana nesta sexta-feira pode ser uma retomada da lógica anterior.
Se confirmada essa alternativa, a hostilidade voltaria a ser manifestada por meio de operações indiretas, que seriam menos gravosas, gerando uma chance menor de um confronto aberto. Na perspectiva israelense, a ideia parece ter sido indicar ao regime do Irã que o país mantém a capacidade de penetrar suas defesas
Ainda sobre a disputa entre Irã e Israel
O New York Times informou na quarta-feira 17 que o governo israelense avisou aos EUA sobre o ataque contra o complexo diplomático iraniano em Damasco apenas momentos antes de ele ocorrer. O aviso se deu sem esclarecer que o alvo principal, um general iraniano dentro do consulado, era de alto valor.
A reportagem afirma, ainda, que os EUA imediatamente alertaram ao Irã que nada tinham a ver com o episódio e que a inteligência israelense foi incapaz de estimar que a retaliação do Irã seria tão significativa.
No domingo 14, três fontes ouvidas pela NBC News afirmaram que o presidente dos EUA, Joe Biden, está preocupado com o fato de que de o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, está tentando arrastar Washington para um conflito mais amplo.
O jornal libanês L’Orient-Le Jour afirma que Bashar al-Assad negou ao Irã a possibilidade de que o território da Síria fosse usado na retaliação contra Israel. De acordo com a publicação, Assad teria sido informado pelos EUA e por Israel que seu regime se tornaria um alvo caso se envolvesse no conflito.
Uma declaração publicada na terça-feira 16 por um painel de especialistas da ONU em direitos humanos afirma que tanto a ação de Israel em 1º de abril quanto a retaliação do Irã no dia 13 são completamente ilegais à luz da legislação internacional. Para além da questão Israel-Palestina
Em Gaza, o massacre continua
A passagem do tempo continua a confirmar as análises que venho publicando desde outubro em Tarkiz a respeito das intenções do governo de Israel com sua operação militar: entre os objetivos de Israel estão inviabilizar a vida na Faixa de Gaza, expulsar um grande contingente de palestinos dali, e ampliar o roubo de terra na Cisjordânia, na prática impedindo a existência de um Estado palestino.
O noticiário nesta semana reafirma todos esses pontos. Em seis meses de conflito, são pelo menos 34 mil palestinos assassinados, incluindo 9,5 mil mulheres e 14,5 mil crianças, além de quase 77 mil feridos. Segundo cálculos da Unicef, isso significa que, a cada dez minutos, Israel mata ou fere uma criança palestina.
A Faixa de Gaza e a Cisjordânia
Andrea De Domenico, chefe da divisão palestina do Escritório da ONU para Assuntos Humanitários, e Philippe Lazzarini, comissário da UNRWA, afirmaram que Israel segue impondo bloqueios à entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, o que dificulta o combate à fome catastrófica criada pelas próprias forças israelenses.
Na quinta-feira 18, o Wall Street Journal confirmou este cenário. Segundo o jornal, pães e vegetais frescos estão chegando à região norte da Faixa de Gaza pela primeira vez após meses, mas em quantidade insuficiente para reverter a crise.
A ONU informou, também, que prosseguem os ataques de Israel na Faixa de Gaza, inclusive contra residências. Entre os dias 15 e 19, pelo menos mais 215 palestinos foram mortos, incluindo crianças. A reportagem abaixo, da Al-Jazeera, mostra imagens do rescaldo de ataques realizados em campos de refugiados na região central da Faixa de Gaza.
Na quarta-feira 17, o Guardian revelou que o governo de Israel acelerou a construção de assentamentos em Jerusalém Oriental, com mais de 20 projetos aprovados ou avançados desde outubro. A ideia é criar mais obstáculos para qualquer tentativa de criar um Estado palestino viável com a porção oriental da cidade como capital.
No domingo 13, foi confirmado o assassinato de um garoto israelense de 14 anos que estava desaparecido. Morador de um assentamento ilegal na Cisjordânia, ele havia desaparecido enquanto cuidava de ovelhas perto de uma vila palestina. Em retaliação, 37 comunidades palestinas foram atacadas entre 9 e 15 de abril, resultando em mortes e destruição de propriedade.
A BBC mostrou na terça-feira 16 que ao menos parte dessas ações dos assentados foram, como de costume, assessoradas por soldados israelenses.
Crimes israelenses documentados
Na terça-feira 16, o Washington Post detalhou o que aparentemente é mais um dos incontáveis crimes de guerra cometidos por forças israelenses: o assassinato de paramédicos que tentavam salvar Hind, uma menina de 6 anos, única sobrevivente de um ataque que matou 6 membros de sua família. Os corpos de Hind, de seus familiares e dos paramédicos foram encontrados apenas 12 dias depois do episódio
Reportagem publicada pela Reuters é outro registro de abusos contra palestinos detidos por Israel na Faixa de Gaza. A base da apuração são entrevistas com alguns dos 150 homens libertados por Israel na segunda-feira 15. Entre os relatos, há depoimentos até mesmo de amputações realizadas por conta do descaso das autoridades israelenses com os presos. Isso é consistente com depoimento de mesmo teor feito por um médico israelense e revelado no início de abril.
No Arab News, Ramzy Baroud reflete a respeito do que conecta o apoio de muitos países do Sul Global à causa Palestina: a experiência histórica compartilhada de colonização e expropriação nas mãos do Ocidente.
Para além da questão Israel-Palestina
Arábia Saudita
A Federação de Futebol da Arábia Saudita informou que vai revisar o código de conduta dos torcedores de futebol após a bizarra cena em que um torcedor do Al-Ittihad deu uma chicotada no marroquino Abderrazak Hamdallah, atacante do clube. O episódio ocorreu após a derrota para o Al-Hilal, por 4 a 1, pela final da Super Copa Saudita.
Segundo o site Arab News, Hamdallah, que é um dos principais destaques do Al-Ittihad, decidiu retirar a queixa contra o torcedor. É razoável supor que os envolvidos foram pressionados pelas autoridades a apaziguar o caso para evitar manchar ainda mais a imagem do futebol saudita.
Emirados Árabes Unidos
A Microsoft decidiu injetar US$ 1,5 bilhão na G42, companhia de Inteligência Artificial sustentada pelo Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi. Segundo analistas ouvidos pelo Al-Monitor, ao menos em parte o investimento é resultado do recente distanciamento entre a empresa emirati e a chinesa Huawei, retratada pelos EUA como uma ameaça.
Golfo
As maiores chuvas registradas desde 1949, quando a coleta de dados começou, paralisaram os Emirados Árabes Unidos nesta semana. Ao menos uma pessoa morreu nas enchentes que alagaram ruas, residências, escolas e centros comerciais, interromperam o sistema de transporte público e também os serviços do aeroporto de Dubai.
Em Omã, onde a forte chuva se abateu no domingo, foram registradas 19 mortes. Entre os mortos estão dez crianças que estavam em um ônibus arrastado pela força das águas.
Iêmen
Interessante análise do Sana’a Center for Strategic Studies a respeito das disputas entre Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos por influência entre as tribos no Iêmen.
Síria
Reportagem do site Al-Majalla mostra como a cena cultural da Síria, em especial em Damasco, está tentando se recuperar após dez anos de guerra civil e do terremoto devastador que atingiu o país em fevereiro de 2023.
Um relatório divulgado na quarta-feira 17 pela Anistia Internacional destaca as condições desumanas enfrentadas por mais de 56 mil pessoas detidas no nordeste da Síria após a derrota territorial do Estado Islâmico. Tortura, abusos e condições cruéis são documentados em instalações de detenção dirigidas pelas Forças Democráticas Sírias (SDF) e forças de segurança afiliadas, com participação ativa dos EUA na criação e manutenção do sistema de detenção.
Sudão
Finalmente, doadores se reuniram para arrecadar os valores necessários para mitigar a crise humanitária pela qual passa o Sudão, afundado há um ano em uma guerra civil. Segundo a France 24, uma reunião realizada em Paris sob os auspícios do governo francês chegou a promessas de US$ 2 bilhões. Quase 25 milhões de pessoas precisam de ajuda humanitária, mas apenas 6% do dinheiro necessário (US$ 2,7 bilhões) havia sido arrecadado até aqui.
Reportagem da Al Jazeera conta a história de sobrevivência de três mulheres, uma jornalista e duas ativistas de direitos humanos, em meio à guerra civil do Sudão.