Síria: três mapas para entender a rebelião contra Assad
O regime de Bashar al-Assad está cercado e, sem uma intervenção externa, suas chances de superar a ofensiva liderada pelo Hayat Tahrir al-Sham parecem pequenas
Desde o fim de novembro, Bashar al-Assad enfrenta uma insurreição cujo desfecho, possivelmente, levará ao fim de seu regime de 24 anos na Síria. À frente da rebelião está o Hayat Tahrir al-Sham (Organização pela Libertação do Levante), um grupo liderado por Abu Muhammad Al-Julani, ex-líder do braço sírio da Al-Qaeda.
Os três mapas abaixo ajudam a entender o contexto regional e local do conflito e facilitam a compreensão do noticiário em meio à ofensiva do HTS.
O primeiro é um mapa do “Eixo da Resistência”, nomenclatura do bloco formado pelo Irã e por seus aliados. O regime sírio tem um papel central nessa estrutura principalmente por sua localização. Seu território funciona como uma ligação terrestre entre o Irã e o Hezbollah, movimento libanês que é o principal integrante do Eixo – e cujo status militar e político está indefinido diante da guerra com Israel.
A versão abaixo do mapa, retirada do Wikimedia Commons, traz uma ilustração do “crescente xiita”, um termo criado pelo rei da Jordânia, Abdullah II, para designar a influência iraniana no mundo árabe.
Em larga medida, essa presença se dá a partir da aliança com grupos xiitas. Esse foi um dos fatores que fez as batalhas geopolíticas do Oriente Médio ganharem um caráter de confronto sectário. Examinei as dinâmicas dos conflitos no Oriente Médio desde 2003 neste texto publicado no início de outubro.
O segundo mapa é da UN Geospatial, o órgão das Nações Unidas que fornece informações cartográficas de áreas de conflito ou crises humanitárias. A versão abaixo é de julho de 2023 e mostra as áreas de influência de diversos grupos armados na Síria naquele momento.
O cenário retratado é mais ou menos o mesmo desde 2020, quando as fronteiras foram congeladas após um acordo entre a Turquia e a Rússia. Há muitos detalhes na imagem (que pode ser acessada em alta resolução em PDF), mas três são os principais.
A área em azul a nordeste mostra os domínios das Forças Democráticas Síria (SDF, na sigla em inglês), um grupo majoritariamente curdo, mas que conta com integrantes árabes e de algumas minorias étnicas.
A cor vermelha mostra a área de influência do regime Assad, sustentada por suas tropas, mas também por grupos ligadas à Rússia, ao Irã e ao Hezbollah, que, por razões diferentes, se mobilizaram para salvar o regime Assad na década passada.
A presença russa está concentrada no litoral mediterrâneo da Síria, mais especificamente nas províncias de Latakia e Tartus, o que pode ser visto na imagem aproximada abaixo. A base aérea Khmeimim está marcada no mapa.
As áreas em verde tanto no sul quanto no norte da Síria mostram a presença de outros atores externos. Na região de Al-Tanf (sul), há presença dos EUA, resquício do combate ao Estado Islâmico. Escrevi sobre essa base em janeiro de 2024.
As áreas verdes ao norte são mais importantes para o contexto atual. Elas mostram as regiões de influência da Turquia, obtidas após quatro intervenções militares entre 2016 e 2020. O objetivo do governo turco foi minar o controle que os curdos das SDF exerciam sobre a região: as SDF são bastante próximas do PKK, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, um movimento político-militar que enfrenta o governo em Ancara e é designado como terrorista por este.
A presença militar turca é acompanhada por atores militares locais, reunidos no chamado Exército Nacional Sírio (SNA). Apesar do nome, não é uma entidade oficial, mas sim um aglomerado de milícias apoiadas pela Turquia.
O terceiro mapa é o do conflito atual. Optei por colocar aqui uma captura de tela do Live Universal Awareness Map, mas há diversos deles sendo produzidos por veículos de mídia, como o Levant24, e por pesquisadores, como Fabrice Balanche ou os do Institute for the Study of War.
Esses mapas mostram o avanço das forças ligadas ao Hayat Tahrir al-Sham (em verde, no caso abaixo). Elas partiram de Idlib, província no noroeste da Síria que é sua base de operações, e desde então rumam para a capital, Damasco. Em paralelo, forças rebeldes aparentemente alinhadas com o HTS também iniciaram uma ofensiva a partir do sul.
Como se vê, o regime Assad está cercado e as chances de superar este desafio parecem muito reduzidas. Em especial porque Irã, Hezbollah e Rússia, os responsáveis por salvá-lo em 2015, dessa vez parecem incapazes de agir de forma decisiva. Se for capturado, Assad dificilmente sobreviverá. Não é possível descartar, por exemplo, uma tentativa de fuga do líder sírio e de seu círculo próximo.
A situação é fluída e há ainda muitas dúvidas a respeito do futuro. Além da ofensiva do Hayat Tahrir al-Sham, há combates entre as forças alinhadas à Turquia (o SNA) e os curdos da SDF. Também não se sabe ao certo o relacionamento entre o HTS e essas duas forças militares. Outra dúvida envolve os rebeldes que emergiram ao sul e qual seu relacionamento com as forças de Al-Julani.
Nos próximos dias e semanas, Tarkiz vai acompanhar os desdobramentos.
Ver também:
https://open.substack.com/pub/geopoliticaleconomy/p/al-qaeda-rebels-syria-israel-usa?r=1lftxu&utm_medium=ios