Os impactos do ataque contra a Torre 22, base dos EUA na Jordânia
A ofensiva amplia ainda mais a possibilidade de um conflito regional e realça a parceria EUA-Jordânia, o que é negativo para a monarquia de Abdullah II
Desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, em 7 de outubro, bases e tropas dos Estados Unidos no Oriente Médio foram atacadas por aliados do Irã ao menos 150 vezes. O ataque realizado no domingo 28 pela autoproclamada “Resistência Islâmica no Iraque” contra uma base norte-americana na Jordânia é, porém, uma novidade com importantes impactos.
Em primeiro lugar, este foi o primeiro desses atos que provocou mortes. Segundo o Comando Central dos EUA, três pessoas morreram e ao menos 34 ficaram feridas. O Wall Street Journal relatou que as defesas antiáreas não foram acionadas pois o drone responsável pela investida estava no local ao mesmo tempo em que um drone norte-americano voltava de uma missão de reconhecimento, confundindo as defesas.
As mortes aumentam a pressão em Washington e devem exigir uma resposta mais intensa por parte do governo de Joe Biden. A retaliação norte-americana, por sua vez, deve ampliar a escalada da violência, deixando o Oriente Médio mais perto de uma guerra regional.
Como destacado anteriormente em Tarkiz, essa dinâmica securitária que envolve uma oposição entre o bloco de aliados do Irã e o bloco de aliados dos EUA teve início em 2003, com a invasão do Iraque. Desde então, o regime em Teerã vem construindo capacidade retaliatória contra os interesses dos EUA. Neste processo, arregimentou uma série de atores não-estatais espalhados por diversos países, que compartilham o mesmo objetivo: remover as tropas dos EUA da região.
Não há lugar seguro para os EUA no Oriente Médio?
Em segundo lugar, a operação pode indicar um novo grau de determinação por parte dos aliados iranianos. O regime em Teerã negou participação neste episódio, o que faria mesmo que estivesse diretamente envolvido, mas a “Resistência Islâmica no Iraque” divulgou um breve comunicado tão temerário quanto o ataque.
“Todos os interesses dos EUA na região são alvos legítimos e nós não nos importamos com as ameaças dos EUA de responder.” É uma declaração que convida uma resposta dura de Washington, em um tom diferente do utilizado pelo Irã. Se isso indicar um novo grau de autonomia às milícias iraquianas que compõem a “Resistência”, estaremos diante de um fator complicador.
Os críticos do “Eixo da Resistência” pró-Irã tendem a argumentar que o regime no Irã é irracional e seus aliados, apenas cumpridores de ordens. Nada mais distante da realidade. O regime no Irã já demonstrou sua racionalidade ao dar passos atrás e evitar uma guerra regional, por exemplo no início de 2020, quando o governo Trump assassinou Qassem Soleimani. O mesmo pode não ser verdade para as milícias que o Irã coordena, mas não necessariamente controla. O arrojo do ataque de domingo pode significar uma negligência grave.
O que fica claro é que os responsáveis pelo ataque tentaram demonstrar que nenhum ativo norte-americano está seguro no Oriente Médio. O alvo explica isso.
Antes do 7/10, os EUA tinham pelo menos 3 mil militares na Jordânia, sendo que o contingente aéreo está concentrado na base Muwaffaq Salti, na região norte do país. Trata-se da 332ª Força Expedicionária Aérea, que opera aeronaves de alta tecnologia, como caças F-15 e F16 e drones MQ-9.
Não está claro quais desses armamentos estão nesta base, mas, desde o 7/10, ao menos os F-15 foram levados para lá. A instalação pertence à força aérea da Jordânia e vem sendo reformada pelos EUA a um custo estimado em US$ 265 milhões. Ela foi essencial nas operações contra o Estado Islâmico e agora é central no enfrentamento ao eixo pró-Irã.
Até 2021, os EUA mantinham no Catar uma de suas mais importantes bases logísticas, que contava com tanques de guerra, blindados, munições e outros itens. Na metade daquele ano, esses ativos deixaram As-Sayliyah, nas cercanias de Doha, e migraram para a Jordânia. Era uma tentativa de reduzir a vulnerabilidade dos interesses dos EUA, maior no Golfo Pérsico.
A ofensiva deste domingo não foi contra a base Muwaffaq Salti, mas contra a Tower 22 (Torre 22), uma instalação que funciona como um posto avançado na região da tríplice-fronteira Jordânia-Síria-Iraque (veja o mapa abaixo). Também não se sabe que tipo de equipamentos se encontram nesta base, mas há ali cerca de 350 militares do Exército e da Força Aérea.
A Torre 22 é estratégica para os EUA pois ela compõe a defesa da guarnição de Al-Tanf, um posto de fronteira dentro da Síria. Este local foi tomado pelos EUA e seus aliados em 2017, em meio aos combates contra o Estado Islâmico, e desde então segue controlado por Washington. A situação é descrita como uma ocupação ilegal pelo regime de Bashar al-Assad em Damasco.
Al-Tanf fica na estratégica rodovia Bagdá-Damasco, cobiçada pelo regime iraniano por ser um dos caminhos a permitir a criação de um corredor leste-oeste conectando Teerã ao Hezbollah, seu principal aliado na região.
Papel da Jordânia fica exposto
Um terceiro desdobramento desta operação é colocar o foco da instabilidade regional sobre a Jordânia. O ataque do domingo foi o primeiro realizado desde outubro no território do país e salientou sua proximidade com os EUA em um momento delicado.
A Jordânia têm um lado muito claro no confronto EUA x Irã, que é o de Washington. O problema é que essa parceria é vista com desconfiança por boa parte da população.
A sociedade jordaniana é majoritariamente contrária a Israel, um sentimento exacerbado no momento atual. Apesar da ausência de pesquisas recentes, muito provavelmente este ânimo se volta também contra os EUA, principais patrocinadores da carnificina provocada pelos israelenses contra os palestinos.
Mesmo antes do 7/10, Jordânia e EUA vinham dando pouco destaque ao aprofundamento de sua parceria militar, que é significativo. Em setembro de 2022, os dois países firmaram um acordo que prevê, pelos próximos sete anos, uma ajuda econômica e militar a Amã de US$ 1,45 bilhão anuais. No início de 2023, a Jordânia aceitou pagar mais de US$ 4 bilhões para comprar caças F-16 norte-americanos.
Desde o 7/10, a monarquia da Jordânia vem fazendo inúmeros apelos para que os EUA trabalhem por um cessar-fogo. Uma das bases desta posição é a insegurança gerada pela hostilidade da população a Israel e aos EUA.
A dificuldade do governo da Jordânia, portanto, é equilibrar a necessidade do apoio de Washington para conter o Irã e a obrigação de contemplar uma população anti-Israel e anti-EUA enquanto os palestinos são massacrados.
A ênfase na parceria com Washington, assim, não poderia vir em pior momento, e dificulta a manutenção da estabilidade na região como um todo. Quanto mais inflamada a situação, mais difícil é para as lideranças regionais evitarem declarações e atos que agravem o cenário.