O Filtro do Oriente Médio (3/11/2023)
Um compilado do que ler, ver e ouvir sobre o noticiário político da região
Este é um novo formato de conteúdo que, com sorte, pretendo enviar semanalmente aos assinantes. O objetivo é reunir material que possa ajudar o leitor a refletir sobre o Oriente Médio, minimizando o ruído radical das redes sociais e poupando esforços diante da economia da informação à qual todos somos submetidos. Boa leitura!
“Essa é a tragédia da guerra”
A guerra na Faixa de Gaza continua a ser demarcada pela desproporcionalidade dos ataques de Israel, uma característica que faz parte do conflito há décadas. Nesta semana, causou indignação o bombardeio do campo de refugiados de Jabalia, em 31 de outubro. Um diálogo entre o apresentador Wolf Blitzer, da CNN, e um porta-voz militar israelense chamou atenção por transparecer o pensamento da elite política e militar do país.
A ação israelense continua a gerar protestos de governos, organizações humanitárias e indivíduos. O Al-Monitor traz um apanhado da pressão sobre Israel, mas destaca que ela é inócua enquanto o guarda-chuva diplomático dos Estados Unidos estiver funcionando.
Diante deste cenário, a Reuters reportou o alarmante crescimento dos ataques antissemitas em diversos países do mundo desde o dia 7 de outubro. O Moscow Times detalhou o episódio ocorrido em Makhachkala, capital do Daguestão, província russa de maioria muçulmana, onde uma multidão se reuniu para atacar israelenses que chegavam ao país pelo aeroporto. Um massacre foi impedido pelas autoridades locais.
UNRWA emite mais alertas. Mas quem ouve?
Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina continua avisar ao mundo sobre a drástica situação na Faixa de Gaza.
Em 1º de novembro, informou a entidade: “Os bombardeios implacáveis das forças israelenses na Faixa de Gaza são chocantes. O nível de destruição não tem precedentes, a tragédia humana que se desenrola diante de nós é intolerável. Um cessar-fogo humanitário imediato é uma questão de vida ou morte para milhões de pessoas.”
Segundo a UNRWA, há 670 mil pessoas em 150 instalações superlotadas mantidas pela entidade na Faixa de Gaza.
O que os palestinos da Faixa de Gaza pensam sobre o Hamas?
Uma parte da pesquisa de opinião Barômetro Árabe foi publicada no dia 25 pela Foreign Affairs. As entrevistas para a Faixa de Gaza foram encerradas em 6 de outubro, um dia antes do ataque do Hamas contra Israel. Os dados mostram que o grupo, responsável por governar a região, era visto pela maior parte da população como incompetente, corrupto e como o maior responsável pela insegurança alimentar que se agravou de forma intensa desde 2021.
Mais de dois terços – 67% – dos habitantes de Gaza manifestaram na pesquisa pouca (23%) ou nenhuma (44%) confiança no Hamas. Os responsáveis pelo levantamento indicam, porém, que ondas de violência anteriores acabaram por elevar a popularidade do Hamas e se perguntam se isso vai ocorrer novamente.
Esses resultados são relevantes diante da continuidade dos episódios em que integrantes do governo e da sociedade israelense pedem a destruição total da Faixa de Gaza com base do argumento de que toda a população local é culpada. Preocupação sobre isso foi levantada neste texto de Tarkiz de 13 de outubro.
Limpeza étnica da Faixa de Gaza é uma opção plausível
Um documento produzido pelo Ministério da Inteligência de Israel lista entre as opções de ação disponíveis o deslocamento dos civis da Faixa de Gaza para o Egito e o posterior bloqueio de seu retorno. Em outras palavras: limpeza étnica.
O documento foi revelado pelo site jornalístico israelense Sikha Mekomit e repercutido, entre outros, pelo tradicional Haaretz e pela revista digital +972, que destaca que a existência do documento não necessariamente significa que essa opção esteja sendo discutida pelo governo.
Neste texto de Tarkiz, sublinhei que as declarações do governo do Egito demonstravam a existência de uma forte a pressão sobre o país para receber boa parte da população de Gaza.
O que pensam os israelenses sobre a guerra?
O jornalista israelense-americano Neri Zilber esteve no podcast “Babel”, do Center for Strategic and International Studies, e falou sobre um aspecto decisivo na conjuntura atual: a guinada na sociedade israelense após o massacre de 7/10.
O terrorismo afetou de forma profunda o país e, segundo ele, mesmo partes importantes da esquerda israelense, que nos anos 1990 liderou o processo de paz, têm uma posição favorável à ofensiva militar contra a Faixa de Gaza.
Este é um diagnóstico de profundo e preocupante impacto, uma vez que não haverá paz ou estabilidade sem a participação da sociedade israelense no processo.
Isso não significa que não haja diferenças na sociedade israelense. Os familiares dos sequestrados pelo Hamas, por exemplo, estão entre o que pedem um cessar-fogo imediato. Eles enfrentam resistência, porém, como mostrou a France24.
Já Mansour Abbas, líder do Ra’am, um dos partidos que representa as comunidades árabes de Israel, escreveu artigo no The Times of Israel manifestando grande preocupação com a possibilidade de violência entre cidadãos árabes e judeus de Israel. “Afirmo hoje enfaticamente que somos, antes de mais, obrigados a rejeitar elementos extremistas marginais que tentam colocar-nos em rota de colisão com o Estado”, disse ele.
Sofrimento compartilhado: as vítimas têm nomes e rostos
Dana El Kurd é uma acadêmica palestina, que conheci em 2020 em um evento em Doha e que escreveu o livro “Polarized and Demobilized: Legacies of Authoritarianism in Palestine”, lançado no mesmo ano. No texto Memory Voids and Role Reversals publicado nesta semana pela na News Line Magazine, El Kurd reflete sobre o nocivo impacto das políticas ocidentais sobre judeus, no passado, e sobre palestinos, na atualidade. O pano de fundo é o fato de que ela visitava o Museu Judaico de Berlim em 7 de outubro, dia do massacre realizado pelo Hamas.
A Al-Jazeera fez um impressionante trabalho gráfico detalhando as milhares de mortes provocadas pela retaliação israelense contra a Faixa de Gaza. Intitulado Know their names, o especial dá nomes e rostos para as vítimas e destaca fatos como o de, entre os mortos, estão 959 crianças com menos de cinco anos. O Haaretz compila a lista das vítimas israelenses.
Outras repercussões do conflito
Bom apanhado na Folha de S.Paulo sobre a passagem do Brasil pela presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU.
O New York Times analisa a encruzilhada em que se encontra o regime iraniano e explora cenários de como a situação pode piorar com o agravamento da guerra (este link permite que não-assinantes leiam o texto).
Mais um drama humanitário afegão
Expirou em 1º de novembro o prazo para afegãos sem documentação deixarem o Paquistão. No que pode vir a ser um drama humanitário de enormes proporções, cerca de 1,7 milhão de afegãos devem deixar o país, segundo a Reuters. Algumas dessas pessoas estão há décadas no país vizinho e, entre as crianças, muitas nem mesmo conhecem o país de origem de seus pais, que fugiram do Talibã, da guerra, das precárias condições econômicas ou de uma combinação desses fatores. Essa reportagem da Deutsche Welle detalha a situação.