Os Jogos Olímpicos de Paris e o terrorismo internacional
Em meio a preocupações com a extrema-direita e os jihadistas, a França montou um forte esquema de segurança para o evento
No próximo dia 26 de julho, os porta-bandeiras de todas as delegações olímpicas vão navegar o rio Sena na primeira cerimônia de abertura dos Jogos realizada fora de um estádio. Mais de 300 mil pessoas são esperadas para acompanhar o evento nas margens do rio que corta Paris, enquanto centenas de milhões farão o mesmo pela televisão e a internet.
A partir do dia 18, haverá dois perímetros de segurança no centro da capital francesa, que exigirão de todas as pessoas com mais de 13 anos um código QR para circulação - liberado após investigação administrativa individual. Estações de metrô e pontes serão fechadas e dezenas de milhares de agentes estarão presentes na região.
Essas medidas são parte da rotina dos grandes eventos nas últimas duas décadas. Como todos eles, os Jogos Olímpicos de Paris serão disputados sob um forte esquema de segurança.
O governo francês adota uma postura cautelosa, sem esconder a preocupação. O país está em alerta máximo contra o terrorismo. Em março, reduziu de 600 mil para 326 mil o tamanho do público máximo na cerimônia de abertura. Em maio, o Ministério do Interior reconheceu a governos locais e serviços de segurança que os Jogos “expõem a França a um risco de maior mobilização do movimento jihadista”.
Em uma entrevista em junho, Laurent Nuñez, chefe da polícia de Paris, informou que não há ameaça clara à cidade, mas que “o terrorismo islâmico é a maior preocupação”. Nuñez lembrou a prisão, no fim de maio, de um adolescente acusado de planejar um atentado contra o estádio de Saint-Étienne, uma das cidades que sediará partidas de futebol dos torneios olímpicos. Nos últimos dias, mais prisões foram feitas, de acordo com o ministro do Interior.
Obviamente, prever um atentado é impossível. As autoridades podem apenas tentar minimizar as possibilidades de isso ocorrer. Grandes eventos são alvos prioritários para terroristas porque as multidões amplificam o número de vítimas e porque seu porte permite um aumento da visibilidade da causa em questão.
O terrorismo de extrema-direita é um fenômeno em ascensão e, há alguns anos, se consolidou como a principal ameaça doméstica nos EUA. Ele é uma sombra também sobre a Europa. Nesta quarta-feira 17, um homem de 20 anos, identificado como neonazista, foi preso acusado de ameaçar atacar a drag queen Minima Gesté, cuja participação no revezamento da tocha olímpica virou elemento da batalha cultural travada pela ultradireita francesa.
Na União Europeia, porém, os grupos jihadistas ainda são os principais responsáveis pela violência. Na França, como mostram as declarações das autoridades, também é este o caso.
Ainda estão frescos na memória dos franceses os ataques ocorridos em 2015. Em janeiro daquele ano, homens ligados à Al-Qaeda mataram 16 pessoas na redação da revista Charlie Hebdo e em um supermercado judaico, ambos em Paris. Em novembro, 130 pessoas foram mortas na capital e no subúrbio de Saint-Denis em uma operação do Estado Islâmico. Um dos alvos era o Stade de France, onde as seleções de futebol masculino da França e da Alemanha disputavam um amistoso.
Entre os jihadistas, o Estado Islâmico permanece como a maior ameaça. Em janeiro e março deste ano, homens ligados ao EI realizaram os maiores ataques em décadas contra o Irã e a Rússia. Esses episódios animaram as teorias conspiratórias de que o Estado Islâmico seria controlado pelos EUA, mas, como destaquei neste texto de março, essa tese não passa de um delírio. O Ocidente é, também, um alvo do EI, porém suas forças de segurança têm, em geral, mais capacidade e recursos para lidar com as ameaças.
Entre 2020 e 2022, o número de planos terroristas jihadistas descobertos na Europa estava em queda: foi de 14 para 11 e, depois, para seis. Em 2023, o extremismo islâmico voltou ganhar destaque, uma tendência galvanizada pela carnificina promovida por Israel na Faixa de Gaza, sob os auspícios dos países ocidentais.
Este é um fator importante na atualidade, com raízes históricas. No maior ataque terrorista realizado durante as Olimpíadas, o alvo foi a delegação israelense. Doze de seus integrantes foram mortos pelo grupo palestino Setembro Negro nos Jogos de Munique-1972. Desde então, a configuração da militância palestina mudou muito e esse tipo de ação no exterior foi abandonada – o Hamas, que nada tem a ver com o Setembro Negro, se notabiliza por ações no território de Israel.
Ainda assim, a presença da delegação israelense provavelmente vai exigir um esquema de segurança fora do comum neste ano. A causa palestina está longe de ser uma que importa apenas aos palestinos ou aos árabes. É uma questão a afetar todo o mundo muçulmano, o que faz dela um baluarte também para os radicais.
Intenção x capacidade
Em texto publicado nesta semana no site War on the Rocks, o analista Aaron Z. Yelin detalhou o funcionamento do Estado Islâmico atualmente.
O grupo não possui mais os grandes territórios que controlava até 2017, mas mantém sua capacidade de recrutar, radicalizar e ordenar ataques no exterior (como evidenciam os ataques contra o Irã e a Rússia). O EI criou uma Direção Geral das Províncias, que coordena esse tipo de ação, e é “muito mais integrado agora como organização na sua rede global do que a Al-Qaeda já foi”.
Segundo Yelin, o grande risco atualmente é que as autoridades desprezem as mudanças pelas quais o Estado Islâmico vem passando e isso diminua sua habilidade de imaginar cenários e conter as conspirações terroristas.
Após as eleições parlamentares de 30 de junho e 7 de julho, a França passa por um momento de turbulência política. Um novo governo ainda não foi formado, mas o atual permanecerá em atividade para a transição – isso inclui o ministro do Interior, Gérald Darmanin, responsável por toda a coordenação de segurança interna.
Em documentos de propaganda, a liderança do EI já listou os Jogos Olímpicos e eventos similares como alvos em potencial. Isso deixa poucas dúvidas de que a intenção de atacar existe. A prisão de um neonazista também escancara o risco representado pela extrema-direita.
O que não se sabe é se esses grupos reúnem capacidades para transformar seu intuito em realidade em um ambiente de segurança tão intensa como o que cerca os Jogos de Paris.
À luz de todos esses pontos, a prioridade que as autoridades francesas estão dando à segurança dos Jogos está correta. A adequação das ações em questão, porém, só poderá ser examinada em retrospectiva.