O ataque do Irã a Israel e a "nova equação" do conflito regional
Com a retaliação de 13 de abril, o regime em Teerã procura mudar as regras de seu enfrentamento contra Israel e aumenta as chances de ampliação das hostilidades
Na edição de sexta-feira do Filtro do Oriente Médio, boletim semanal de Tarkiz, escrevi que avaliava como improvável um ataque do regime iraniano contra o território de Israel. Minha hipótese era de que Teerã buscaria uma ação intermediária, por exemplo investindo contra interesses israelenses fora das fronteiras do país.
No sábado 13, o líder supremo Ali Khamenei optou por lançar uma ação contra o território israelense, mas ela foi, de fato, parcial. Houve, segundo diplomatas da região, um aviso prévio de 72 horas que permitiu a Israel e aos Estados Unidos uma prontidão responsável por anular 99% dos mísseis e drones.
A Casa Branca nega este alerta, mas ficou claro que o episódio, apesar de extremamente perigoso, se tratou de uma ação “coreografada” no jogo geopolítico tétrico do Oriente Médio.
Até onde se sabe, houve uma única pessoa ferida em Israel – Amina, uma garota beduína de 7 anos. Ela estava dentro de sua casa no momento do ataque e foi atingida na cabeça por um estilhaço, enquanto Benjamin Netanyahu encontrava-se em um bunker construído por um de seus amigos norte-americanos bilionários.
Por que o Irã atacou Israel
O ataque foi uma retaliação pelo assassinato do general Mohammad Reza Zahedi, da Guarda Revolucionária, e outros seis militares, em 1º de abril, no complexo diplomático iraniano em Damasco, na Síria. A ação israelense foi interpretada pela liderança em Teerã como um ataque a sua soberania, o que exigia uma resposta. Com a ação de sábado, o regime busca uma série de objetivos interligados.
Contemplar as alas mais radicais do regime, que exigiam algum tipo de retaliação;
Demonstrar seu poderio bélico aos adversários da região e aos EUA;
Testar seus armamentos em uma situação real de guerra;
Obter informações sobre as defesas de EUA e Israel;
Testar a coordenação com seus diversos aliados fora do Irã;
Propagandear seu alegado papel de defensor do Islã e da questão palestina (simbolizado pelos vídeos dos ataques feitos a partir do Domo da Rocha, em Jerusalém)
E traçar uma nova linha de atuação a respeito de sua relação com Israel.
Este último ponto é, sem dúvida, o mais importante. O caráter “telegrafado” do ataque foi uma evidência de que Teerã não deseja iniciar uma guerra regional, mas ao mesmo tempo revela que o regime não está disposto a demonstrar o que considera ser fraqueza para evitá-la. Para entender isso, precisamos recorrer a algumas concepções estratégicas que balizam as atuações de Israel e do Irã.
“Guerra entre guerras” x “paciência estratégica”
O quadro geopolítico do Oriente Médio é complexo. Discuti suas características em minha tese de doutorado e em alguns textos aqui em Tarkiz. O mais detalhado deles é este de setembro de 2023, mas voltei ao assunto após o início da guerra na Faixa de Gaza.
Podemos resumir a situação da seguinte forma: com as invasões do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003) e a inclusão do Irã no “eixo do mal” (2002), os Estados Unidos criaram um quadro de ameaça real para o regime iraniano, que reagiu por meio do desenvolvimento de capacidade retaliatória contra os EUA, seus interesses e aliados na região. Tal capacidade se concretiza nos diversos aliados que o Irã fomenta para formar o autoproclamado “eixo da resistência” e nos programas de mísseis e drones.
As ações defensivas-ofensivas iranianas, por sua vez, ensejaram temores semelhantes de ameaça nos aliados dos EUA, em especial Israel, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. O principal front a opor o Irã aos países árabes foi a Síria, que encontra-se devastada por conta disso. Hoje, este front está, em larga medida, inativo, graças a um acordo entre Irã e Arábia Saudita intermediado pelo Iraque e pela China.
O front Israel x Irã, por outro lado, está aberto. Ao longo das últimas duas décadas, ele nunca esteve, porém, às claras. Era, até o último sábado, uma “guerra nas sombras”, travada por Israel por meio de uma tática conhecida como “guerra entre guerras” – ataques contra infraestruturas e assassinatos de líderes do “eixo da resistência” entendidos como ameaças reais ou potenciais a Israel.
A resposta iraniana durante a presidência de Hassan Rouhani (2013-2021) foi caracterizada pelo que o ex-presidente chamava de “paciência estratégica”. Era uma concepção de política externa desenvolvida para conter os ímpetos expansionistas da Guarda Revolucionária, vistos como desestabilizadores por Rouhani. Sob esta ideia, o regime evitava atacar Israel diretamente por entender que isso ensejaria uma guerra regional. Até o sábado 13 de abril.
Após os ataques, lideranças iranianas enfatizaram a mudança de postura. “Decidimos criar uma nova equação [com Israel]. A partir de agora, se o regime sionista atacar os nossos interesses, bens, líderes e cidadãos em qualquer lugar, será recebido com um contra-ataque”, disse Hossein Salami, chefe da Guarda Revolucionária. “A operação Promessa Verdadeira é um exemplo distinto e claro desta nova equação”, completou.
Mohammad Jamshidi, auxiliar do presidente Ebrahim Raisi, afirmou que “a era da paciência estratégica acabou” e que a “estratégia israelense de guerra entre guerras foi derrotada.” “Agora a equação mudou”, disse ele, acrescentando que “atingir o pessoal e os bens iranianos pelo regime terá uma resposta direta e punitiva.”
O que Israel fará?
Os próximos passos do conflito regional dependem agora de Israel. O regime iraniano afirmou no próprio sábado 13 que considera o assunto “concluído”, uma tentativa de encerrar o episódio em uma posição de força, o que provavelmente não será aceito pelo establishment israelense. Na prática, a busca iraniana por dissuadir Israel de novos ataques tende a aumentar as possibilidades de um conflito direto e aberto.
Neste contexto, com o Oriente Médio à beira do precipício, preocupa a formação do gabinete israelense. Tanto Netanyahu quanto seus ministros parecem ter os incentivos e a disposição para engajar o país em um conflito ampliado. Está claro, porém, que no momento atual o governo dos Estados Unidos não pretende trilhar este caminho, sendo Washington, portanto, um fator “moderador” na posição israelense quanto ao Irã (mas não em relação a Gaza, como sabemos).
Na segunda-feira 15, o Canal 12 de Israel, em uma reportagem, indicou que o gabinete de guerra teria tomado a decisão de responder ao Irã para “não permitir que um ataque dessa magnitude (…) passe sem reação” e para deixar claro que Israel não permitirá que os iranianos “estabeleçam a equação” do conflito entre as partes. Como, quando e em que cenário isso ocorrerá, porém, não está claro.
O que fica evidente é que, após as duas décadas mais violentas da história moderna do Oriente Médio, as populações da região continuam à mercê das elites locais e estrangeiras, sem ferramentas para interferir em uma caminhada destrutiva que protege os poderosos e massacra os civis.
Desdobramentos da análise
Na manhã de segunda-feira, participei do programa Live CNN, jornal diário com 3 horas de duração, no qual o ataque iraniano foi debatido.
Na noite de segunda-feira, estive, ao lado dos professores André Frota e Natali Hoff, em evento do Observatório de Conjuntura da Uninter. Discutimos a questão Irã x Israel e a situação na Faixa de Gaza.